domingo, 1 de junho de 2008

Eu no quadro de Gauguin


Improvisadamente aconteceu que de roteirista passei à atriz do curta-metragem que rodamos esta semana. Uma história ambientada em um camping, personagens icônicas, mitológicas, quadros fixos coloridos, mundo pictórico. Meu amigo Pasquale, o diretor, possui o imaginário Pasolini-felliniano. Bellissimo! Escrevemos o roteiro em um processo amistosamente colaborativo no qual participamos: dois roteiristas, o diretor e o montador. No set, o fotógrafo reclamou da presença inútil dos roteiristas. O montador também no set. Raridade! “Mah che cazzo! A che servono questi?”. E a trupe unida não arredava o pé. E eis que a atriz que faria a mulher saindo da barraca não veio, e sobrou para mim! Assim como o ator que faria o bêbado não compareceu e sobrou para o outro roteirista interpretá-lo, resultando uma personagem incrível.

A câmera Arri 35mm apontada na minha cara, dezenas de pessoas ao redor me olhando. Minha primeira imagem estampada em 35, improvisada. A claquete. Azione! Realizamos o curta no Parco dell’Acquedotto onde Pasolini filmou o Mamma Roma há mais de quarenta anos. Eu estava ali no set utilizado uma vez pelo meu ídolo-amado-sagrado. Meu coração debandado. Eu deveria estar olhando o camping que amanhecia em um dia de sol. Improvisei um chiclete, o galhinho de grama era a minha distração, inventei alguém que passava e meu olhar matinal que a acompanhava, me lembro do vento e da minha vontade tímida de rir.

Funcionou, o pessoal gostou. Sério mesmo? Perguntei insegura. Disseram que a composição da imagem parecia um quadro do Gauguin. E então refleti sobre esse meu não fazer nada que resultou num gesto minimalista espontâneo, e que deu certo. O minimalismo é para mim a grande força no cinema. Estar ali foi uma experiência particular de pensar, através da vivência, no detalhe na imagem em um plano próximo: cada pequeno gesto pode ser um exagero, e o diretor que trabalha com um ator na chave do “agora vamos interpretar” é aquele que mata o cinema. Depois que eu e o Andrea substituímos os atores ausentes, Pasquale ainda brincou com o fotógrafo que reclamou da nossa presença no set: “É, viu, até que é útil haver roteiristas no set”. E todos riram.

(Foto de Mauro Rossi)

2 comentários:

Drika Nery disse...

Dramaturgos e roteiristas, uni-vos! Pela invasão das salas de ensaio e dos sets de filmagem!
Isso pode trazer grandes ganhos para o filme ou a peça. Acompanhar o processo da palavra se tornando imagem e ganhando vida é uma mágica da qual esses profissionais precisam dominar os truques. Poucos diretores propiciam essa oportunidade.

Mas de vez em quando isso também pode ser perigoso! Como nesse caso em que a roteirista 'roubou' o papel de uma pobre atriz. *(rs)*

Tá bem na foto, hein?
Grande beijo, Ná.

Anônimo disse...

Fiquei emocionada com as experiências que este texto relata. Cito algumas razões: primeiramente o impacto da beleza da foto, parabéns para você e para o fotógrafo; depois porque roteiristas e montador estavam no set, e como o roteirista manipula a imagem no papel, e o montador na película, aqueles tiveram a oportunidade de ver a criação da imagem pensada e este de pensar a montagem da criação no seu acontecer. Então, ao invés de participarem somente do antes e do depois, eles estavam no agora, no durante, na realização. Mais: sob a batuta do diretor, os roteiristas saíram da realidade como seres encarnados e passaram à representação como seres ficcionais, ou seja, do papel para a película, de autores para personagens. A realidade invade a ficção.Não só isso, mas retomando a emoção de um outro ambiente ficcional ao ocupar o espaço imortalizado pelo Mamma Roma. Ou seja, a ficção invade a realidade. Taí a beleza do fazer cinema. Parabéns a todos.

Avani