domingo, 22 de junho de 2008

Fim de romance



Era final de tarde. Havia um vento forte, daqueles que te faz perder o centro do passo. Levanta a saia, despenteia os cabelos, vira as páginas do livro carregado no braço. Eu caminhava titubeante quando vi um corvo que voava esquivando-se do tráfico aéreo de andorinhas. Na primavera mediterrânea as andorinhas se divertem em quotidianos malabarismos atmosféricos. O tal do corvo voava tranqüilo, as asas abertas e aplainadas estavam preparadas para uma eventual aterrissagem de emergência. Os corvos são animais sérios,frequentemente mal-humorados, e sempre em alerta. Naquele caos aéreo de andorinhas, o corvo se apaixonou por uma "corva" que vinha em sentido diagonal ao seu. Amor à primeira vista. Eu vi o seu esforço em tentar alcançá-la, mas o vento forte parecia boicotá-lo: o corvo ia, subia, descia, pendulava. A "corva" também se entusiasmou, mas igualmente não conseguia chegar até o seu companheiro. Eu vi quando os dois corvos ansiosamente apaixonados batiam as asas velozmente, agitadas, mas parados no lugar a menos de um metro de distância um do outro porque o vento forte os rebatia. Olhavam-se frente a frente e lutavam contra a ventania que instituía uma barreira transparente e autoritária na atmosfera primaveril. Até que desistiram, resignados, e cada um seguiu seu vôo. As andorinhas-acrobáticas se divertiam com o vento mediterrâneo. A primavera italiana é uma época lúdica, ligeira, perfeita à folia das andorinhas. Não é a estação propícia ao amor bem-composto dos corvos.

(Imagem: Campo de trigos com corvos. Van Gogh, 1890)

2 comentários:

Drika Nery disse...

O amor sujeito a tudo, até às condições meteriológicas. Será mesmo que existe alguma estação propícia a ele?

Grande beijo, Ná.

kyu disse...

mto bom esse.'corva' é ótimo.